domingo, 25 de novembro de 2012

Adaptações em casa ajudam a garantir velhice saudável




O segredo da juventude eterna não é fingir que a velhice nunca chega. Chega para nós, para nossos familiares e para quem mais tiver sorte. Fazer vista cansada para a última e cada vez mais longa fase da vida pode fazer com que ela não seja aproveitada em sua plenitude. Da mesma forma que a desinformação e a falta de cuidado atrapalham na infância, adolescência e vida adulta, também podem prejudicar os idosos. Mas muitas vezes a simples aceitação da necessidade de adaptações cotidianas pode ser dolorosa para toda a família. “Ajuda precisamos todos, sempre, em qualquer fase da vida. Então, não é uma coisa estranha que alguém precise de alguma colaboração em alguma coisa”, lembra a psicanalista Délia Goldfarb, diretora da organização Ger-Ações. Não é estranho, mas reconhecer e aceitar as novas necessidades costuma ser difícil.
Perceber que adaptações simples, como ver que o tapetinho da sala pode estar se tornando uma ameaça à segurança de um familiar – ou à sua própria – é um processo doloroso, que mexe com a dinâmica dos relacionamentos. Mas é o primeiro e importante passo para realizar adaptações para evitar acidentes e promover qualidade de vida. A mortalidade de idosos com 60 anos ou mais por quedas, no Estado de São Paulo, aumentou quatro vezes nesta década, segundo balanço da Secretaria de Estado da Saúde. O índice passou de 7,6 óbitos por 100 mil idosos em 2000, para 28,4 mil em 2008. As quedas, por definição, são causas evitáveis. E a maior parte delas acontece em casa.
Mesmo as quedas mais leves podem ter consequências. “Quem cai fica com medo e vergonha de cair de novo. Isso leva a um círculo vicioso, porque a pessoa começa a se restringir em termos de atividades. A inatividade gera imobilidade, que por sua vez diminui a força, a massa e o tônus, e aí, vai cair de novo”, diz Sérgio Paschoal, coordenador do programa de prevenção de quedas do Hospital das Clínicas, em São Paulo. “Aí a família superprotege, começa a só deixar sair acompanhado. Além de tudo leva a isolamento social, depressão e até institucionalização”.
Banheiro



Tricia Vieira / Fotoarena
Banheiro adaptado na Vila Dignidade, em Avaré (SP)
“O banheiro é um local em que se cai muito. As pessoas molham o piso e vira um verdadeiro sabão. Às vezes não tem como trocar o piso, mas há alguns tapetes de borracha que grudam no chão – não pode ser qualquer um, porque se for um que escorregue é pior”, explica Sérgio Paschoal, coordenador do Programa de Prevenção de Queda. “Mesmo se o piso for antiderrapante, você tem que ter barras de apoio sólidas. No mínimo, a velocidade e a energia da queda serão menores”, completa. Segundo ele, as barras são importantes também para evitar que as pessoas usem alternativas de apoio, como a torneira, que podem agravar a queda. “Existem adaptações muito legais, que são cadeiras pregadas na parede, cujo assento é dobrável para a parede. A pessoa desdobra, senta e toma banho mais tranqüilo”, diz.
Ainda no banheiro, é fundamental que o vaso sanitário seja elevado e tenha barras laterais ou apoio para os braços. “Se a pessoa não tiver força no quadríceps, ela desaba, pode até quebrar o vaso e se machucar mais ainda”, diz Sérgio. As antigas adaptações de alvenaria para elevar o vaso sanitário causavam má-impressão e era evitadas em muitos casos em que eram necessárias. Hoje, é possível encontrar assentos removíveis em casas de materiais cirúrgicos: causam menos impacto visual e permitem que o banheiro seja usado também por quem dispensa a adaptação. Mesmo que haja uma resistência inicial a essas adaptações, o coordenador do Programa de Prevenção de Quedas explica que, em sua experiência, elas acabam sendo aprovadas pelos idosos, porque permitem que eles dispensem ajuda.


Corredor
Um dos lugares mais perigosos de uma casa, segundo Sérgio Paschoal, é o caminho do quarto para o banheiro. E isso tem muito a ver com a iluminação. Ao mesmo tempo em que é melhor evitar superfícies e lâmpadas muito brilhantes porque os olhos já não se adaptam com tanta rapidez à claridade, é fundamental que exista uma iluminação acessível. “Tem que ter iluminação fácil. Ou se deixa uma luz permanentemente acesa ou algo que não é preciso procurar muito, como os abajures que acendem com um toque. Não adianta ter uma luminária em que é preciso procurar o interruptor. Esse problema de sair do escuro para o claro é muito sério”, explica.
Uma regra que vale para a casa toda é especialmente importante neste trajeto: o caminho tem que estar sempre completamente livre. “O tapetinho é o grande vilão. Mas também tacos soltos, carpetes com sobras e dobras, fio de telefone, brinquedos, móveis baixos e com pontas, animais de estimação pequenos, tudo isso é um prato cheio para quem tem um andar mais arrastado sofrer um acidente.”
Escada



Tricia Vieira / Fotoarena
As casas adaptadas da Vila Dignidade são térreas e com espaços amplos e sem obstáculos
As escadas completam o trio crítico de áreas da casa no que diz respeito a quedas. O pior tipo é a escada tradicional de sobrado, com janela no topo e iluminação frontal. “A luz bate de frente e quem olha para baixo não vê o degrau”, explica Sérgio. O ideal é que os carpetes sejam evitados. Se houver, devem ser sem estampas – que enganam o olhar – e perfeitamente lisos e esticados. Além disso, é bom que exista uma sinalização de cor contrastante na ponta do degrau. O corrimão deve ser firme, ficar dos dois lados, começar antes da escada e terminar um pouco depois. A altura do degrau também não pode variar. “Não pode ter altura de degrau variada. Seu corpo se acostuma com aquela altura e não precisa nem ser idoso para tropeçar.”


O melhor ponto de partida é diferenciar autonomia e independência. Depender de apoio para realizar atividades diárias, como fazer a própria higiene e se vestir tira um pouco da independência, mas não nos tira a autonomia de decidir sobre a própria vida. Falta de autonomia é quando já não se pode decidir sobre coisas essenciais de sua vida. À medida que o tempo passa, vamos perdendo primeiro essa independência relativa, e depois a autonomia. Não conseguir fazer as atividades da vida diária não significa que a pessoa está doente, significa uma fragilidade.
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Chegando lá
A parte prática das adaptações pode ser muito mais simples do que a conversa familiar necessária para chegar lá. “À medida que o tempo passar, você vai precisando de mais recursos para fazer as coisas com segurança. A questão é se você tem ou não consciência desses recursos. Se a pessoa é consciente e com bom senso, vai construindo essas adaptações. E se existe um bom diálogo familiar, vai construindo essas adaptações com a família”, explica Délia. “Agora, se é uma família altamente conflitiva – porque um pouco todas são –, onde nunca houve diálogo sobre as necessidades de qualquer um de seus membros, e as necessidades não foram respeitadas, aí o diálogo vai ser mais difícil e o processo de criar adaptações também.”
Se a conversa em casa estiver muito complicada, a saída é procurar a ajuda de profissionais. “Se a família sozinha não consegue produzir essa mudança ou a produz com um custo emocional alto demais, se alguém está sofrendo muito por isso, existem profissionais que orientam, que ajudam, que apóiam. Hoje em dia na gerontologia tem muitos profissionais que se dedicam exatamente a essas intervenções familiares de acompanhar essa mudança, que vão construindo caminhos para esse diálogo que falta”, orienta Délia.
Carina Martins, iG São Paulo

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